Registro IX — Pequeno-grande mundo
Sem fronteiras《registros aleatórios de uma jornada não planejada》

Meu pequeno-grande mundo sempre foi imensurável.
A "brincadeira" começou antes dos seis anos. Tenho a impressão de que foi aos quatro. Não tenho muita lembrança concreta do passado, mas tenho muitas sensações. Uma delas é de que essa idade foi importante para mim.
Eu dormia em um beliche, embaixo de minha irmã, que é mais velha do que eu. Acreditava que na parede onde a cama ficava encostada pela lateral morava um leão. Ele era meu amigo. Meu colchão, eu brincava, era meu mundo, dividido em áreas, locais por onde eu transitava.
Era enorme o espaço imaginário onde eu vivia. Intangível, porém muito palpável, ele preenchia minha alma e eu a sentia — e também assentia.
Esquecera-me disso, até dezembro passado, quando de repente a lembrança me veio. Ela me invadiu na forma de associação entre meu beliche e o container no qual moro hoje, há quase dois anos. Existe uma abertura para outra dimensão. Ela está bem aqui.
Esse pequeno-grande mundo por onde, criança, eu transitava e hoje voltei a percorrer livre é onde enxergo a noite, o leão e a intangibilidade do ser. Esse pequeno mundo é o maior espaço capaz de existir. De tão imenso ele engole paredes, linhas, fronteiras, fins.
Sem traços, sem letras, não há imagens concretas, tudo é sentimento, percepção que se tem no corpo sutil. Minha prática, antes inconsciente, é estar atenta às artimanhas da mente, essa entidade incapaz de sutilezas e que, por isso, preenche o vazio com coisas inventadas. Hoje sei que nasci presenteada com o silêncio e agradeço a Santa Teresa D’Ávila — ou nas palavras de Paulo Mendes Campos, "louvada seja Santa Teresa D’Ávila, com seu Amor em chamas" — , porque foi ela quem me ensinou: nas minhas orações em silêncio, sem palavras, o que sinto é Deus.
Às vezes, a percepção consciente do ensinamento chega décadas depois — às vezes, vidas depois.
"Estreita é a porta e apertado o caminho que conduz à vida. E poucos são os que o encontram." (Mateus 7:14) Mas quando o aceitamos, a vastidão nos inspira e mergulhamos nesse nada/tudo, onde nossa própria respiração é divindade.
Minha brincadeira continua.
Imbituba, janeiro de 2023.