Quando a gente menos espera

Bhuvi Libanio
4 min readMar 4, 2020

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Planejei iniciar 2020 com uma história de amor. E como sou só um pouco exigente, meu desejo era que fosse uma história diferente, sem drama, sem clichês.

Então peguei meu caderno, minha caneta e fui para a Rodoviária Novo Rio buscar um acontecimento.

Foi isto o que encontrei:

Ela se sentou, apoiou os cotovelos sobre os joelhos e com as duas mãos segurava um buquê de flores — uma paleta com as cores amarelo, laranja, bonina e verde. O plástico que envolvia os caules era transparente, com a margem enfeitada de corações brancos. O olhar era suave, mirava a porta de acesso à plataforma de desembarque, mas parecia olhar para dentro, doce e pacífico. O rosto não tinha qualquer marca, a não ser aquelas que o tempo faz.

Quando me aproximei, ela se acomodou na cadeira, e deitou as flores no colo.

Pedi licença e me sentei ao lado dela, enquanto trocamos olhares silenciosos, cúmplices.

Por alguns instantes, foi ele quem deu o tom da conversa: o silêncio, carregado de sentidos naquele cenário de espera — ou de encontro, em um tempo que ansiamos por transformar em agora.

— Comprei estas flores no CADEG.
— Bonitas. Gostei das cores!
— Você já ficou assim?
— Assim como?
— Empolgada.
— Muitas vezes! Eu sou empolgada — respondi com uma risada.
— Isso! Que maravilha. Eu também — ela riu. — Fico pensando: a gente abre as janelas para olhar a paisagem, e de janela eu chamo até essa aqui, do vidro preto, que a gente carrega para todo lugar, e que já nem consegue viver sem olhar para ela, e só vê loucura. É gente fazendo mal para gente, fazendo mal para animais, fazendo mal para a Terra. E quando eu encontro uma possibilidade de viver algo diferente desse padrão de vida horroroso que os seres humanos estão construindo, eu me empolgo demais. E fico me perguntando se estou exagerando. Você acha essas flores exageradas?
— Exageradamente amorosas! E quanto mais Amor, melhor.
O silêncio nos tomou novamente. Sorríamos.
— Conheci na internet — ela disse. — Você vai achar que sou louca, né?
— De jeito nenhum. Loucura é não se permitir.
— Então! Eu nunca tinha feito isso. Aliás, sempre questionei o uso desses aplicativos todos. Todos! Eu não me conformo em ficar olhando para esse “black mirror” em vez de olhar para o mundo real. A gente só consegue se relacionar bem quando se conhece, verdadeiramente. E para saber quem eu sou, preciso mirar para dentro.
— Penso exatamente como você. Mas então resolveu experimentar um desses aplicativos de relacionamento? Foi isso?
— Não tive coragem! — gargalhamos juntas. — Imagina!
— Nem preciso tentar imaginar, porque sei bem como é. Eu nunca usei um desses! — gargalhamos mais.
— Foi no LinkedIn.
— Meu Deus! Quem diria!
— Falamos sobre trabalho primeiro. Era uma dúvida que ele tinha. Queria saber qual é o melhor tratamento para dores lombares e onde fazer isso. Como trabalho com acupuntura, obviamente indiquei esse tratamento. Mas é que eu realmente acredito na eficácia dele. Por alguns dias falamos sobre isso. Depois, ele já estava se sentindo melhor, começamos a falar de outras coisas. Filmes prediletos, literatura, comida e todos esses prazeres da vida. Chegamos a compartilhar histórias de família. Trocamos conselhos, ou melhor, experiências de vida e tal.
— Se envolveram mesmo!
— Sim! Foi incrível. Porque aconteceu. Foi de repente. Quando a gente menos espera, acontece. Um dia eu não tinha Sérgio na minha vida, no outro… Lá está ele, família, mala e cuia!
— Dentro do seu coração.
— Sim! — ela riu. — Mas lá está ele mesmo. Olha lá. É aquele de camisa verde e boné.
— Então corre!
— Vem também! A esposa dele é uma peça rara, divertidíssima. E as filhas… A de dois anos está naquela fase deliciosa de descoberta da linguagem. Quando a gente conversa no Skype ela sempre entra com gracinhas! Linda. A de cinco desenha para mim toda semana e faz Sérgio escanear e me mandar. Daqui a gente vai deixar as malas e as cuias na minha casa, na Tijuca, e depois vamos comer pizza.
— Infelizmente não posso. Mas estou feliz por vocês. Curtam esse Amor, essa amizade. É dessa energia que precisamos para transformar este em um mundo diferente.

Adélia saiu correndo na direção de uma garota que vinha, na mesma velocidade, de braços abertos. A mãe da menina veio atrás, pegou o buquê que estava quase caindo. Depois partiram. Mas antes pararam para me abraçar.

Para onde olho encontro Amor. Ele está em tudo! E quando a gente menos espera… Esse combustível acende vida em nós.

Este texto foi publicado em minha coluna na revista eletrônica Rio Total.

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Written by Bhuvi Libanio

Registros aleatórios de uma jornada não planejada.

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