Registro VI — Poeira
Sem fronteiras《registros aleatórios de uma jornada não planejada》
O vento sopra poeira da casa do vizinho. Não sei o que ele faz por lá que tem um som estridente, irritante. A poeira é muita e parece fina. O vento é Sul e a afasta de mim. Sorte. As roupas balançam agora no varal.
Comecei uma tarefa neste instante, no computador, depois de entregar uma revisão curta que iniciei de manhã, enquanto a máquina de lavar girava uma colcha, alguns agasalhos e dois pares de meia no sabão em pó. Fiquei um tempo olhando a mistura: água, espuma, tecido. Que bom, inventaram a tampa de vidro.
A visão das partículas esvoaçantes da casa ao lado me fez pausar. E escrever. Porque me tocou a ideia de que muitas coisas são transformadas em pó – leite, linhaça, chá mate, café, madeira, rocha, ossos, nós mesmos – e muitas coisas voam ao vento. Palavras? Segundo Bob Dylan, respostas. E as coisas giram, a começar pela Terra.
Mas agora não há vento, não há poeira, não há sabão. Há apenas o silêncio.
A roupa seca e dobrada pode parecer a mesma que girava dez horas atrás, mas não é. Hoje cedo, não há mais. Girou. Soprou.
Experimento parar os dedos. Não há texto. Somente ação faz a roda girar. E o que faz a ação? Seria toda ação uma reação?
Se nada há, nada haverá.
Fiz outra pausa.
Com o giro terrestre deixamos de avistar o sol. Amanhã tem mais. Então girei a chave na fechadura, girei a torneira. Enquanto o fio de xampu pousava na palma de minha mão, fiz movimento circular com a embalagem, semelhante ao movimento da mão que segurou a bucha contra o corpo. Girei a tampa do vidro de óleo que espalhei sobre a pele em movimentos circulares.
E então me ocorreu que para terminar este texto, preciso retornar à poeira. "Porque tudo caminha para um mesmo lugar" (está em Eclesiastes). No tempo certo, retornarei. Enquanto isso, soprarei o pó que vem no vento, em um redemoinho de ideias a me arrebatar.
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Imbituba, 14 de setembro, 2022