Não há buracos, não há rincões: Brevíssima reflexão sobre ser queer

Bhuvi Libanio
2 min readApr 12, 2021

"Não há compêndio que supere os ensinamentos que a natureza nos oferece. […] Há detalhes que fazem sentido apenas para quem usa os sentidos."

“(…) não sei o que você foi fazer aí nesse buraco (…)”, disse o amigo.

Ser queer tem a ver com um modo de vida, um modo de se relacionar com o mundo e com o Outro. Resumir queer à sexualidade, ao sexo e/ou ao gênero é assumir a falta de consciência da possibilidade de viver a partir do natural, deixando para trás as construções sociais.

Há quase quinze anos estudo as teorias de gênero, mais especificamente, a teoria queer e o feminismo. Minha busca, consciente, começou quando percebi que viver além do binarismo, além dos opostos, além das construções e das expectativas do óbvio é possível. Nessa jornada, concluí que os melhores textos sobre o tema estão publicados nos caminhos que percorremos. Não há compêndio que supere os ensinamentos que a natureza nos oferece. Para entender o que é a essência queer, é necessário fechar os olhos do Eu e abrir os da alma para enxergar o Outro a partir da realidade individual e peculiar de cada ser. Há detalhes que fazem sentido apenas para quem usa os sentidos.

Moro, atualmente, em uma cidade com pouco mais de quarenta e cinco mil habitantes — menos da metade dos habitantes do bairro Botafogo, no Rio de Janeiro, onde morei até o penúltimo dia de março deste ano. Na minha casa, escuto o mar, os pássaros, os insetos que entram e saem zunindo, o bater das asas do besouro que ficou preso do lado de dentro depois do anoitecer, o silêncio das borboletas, meu coração pulsar no compasso do brilho das estrelas, que são inúmeras — tantas quanto jamais pude imaginar existir. Neste espaço, percebi que não há rincões, não há recantos, não há buracos.

Não há devir. Existem expectativas, que surgem a partir de construções sociais. Espera-se que indivíduos se tornem, transformem-se, venham a ser, quando, na verdade, todos os seres são.

Nós somos. Viver é ser, independentemente do veredicto do outro. Viver é deixar ser, sem veredicto. Viver é não (se) julgar, é não desejar vir a ser. Viver é ser queer, porque quando nos apegamos aos conceitos sisudos do que deve ser, deixamos de lado a humanidade, nossa natureza; e, então, o sol nasce do formato da caixa em que nos metemos, o mundo se “apequenina” e nós encolhemos até desaparecermos, consequência de uma infeliz morte.

Ser queer é não aceitar ser caricatura nem desenhar o Outro; é não aceder a conceitos materialistas de existência.

Depois desses anos de investigação concluí que queer não é teoria, é um modo de ser criativo: é, a cada momento, acolher a imensidão, dar à luz a verdade, nascendo e deixando “na-ser”.

Imbituba, 11 de abril de 2021.

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