Ainda espero aquele beijo
Adeus é apenas para pessoas que amam com os olhos. Porque para quem ama com o coração e a alma, não existe separação. — Rumi
Beatriz pegou o avental pendurado sobre um calendário, em um prego torto na parede da cozinha e riscou o dia — “menos um longe de você”. Da geladeira tirou cogumelos, uma cebola, um tomate — “da cor dos seus lábios!” — alho, e molho Shoyo. Do armário, uma garrafa de vinho — “ainda não tomamos vinho juntos” — e o espaguete. Buscou uma taça e depois de passar água para tirar a poeira, serviu-se — “ao tempo” — e brindou — “que ele não se prolongue tanto”. Tomou um gole, fechou os olhos, lambeu os lábios — “mas o tempo não demora nem é rápido, ele é o que tem que ser e… Espero aquele beijo. Ah! Espero.”
Depois do almoço, encarou o espelho enquanto fechava o pequeno armário embutido acima da pia do banheiro. Esculpida em sua pele, a voz do tempo lhe saltava aos olhos. Ainda não havia reparado aquele novo detalhe: mais uma linha da história — “conhecemos pouco da narrativa um do outro, um dia olharemos de perto os riscos e sentiremos a idade da pele como dádiva. Quero lembrar seu cheiro.”
Mais tarde, seguiu sua rua até a avenida Atlântica e virou à esquerda. Ao fundo, a Pedra do Leme arrancou um sorriso de Beatriz. Com o olhar fixo, a mente leve e o coração em festa, seguiu pensando nos cabelos, no olhar, naquela voz tão presente, mas ao mesmo tempo suave. Queria ouvir seu canto, tocar o rosto dele com sua própria bochecha e dizer nada, apenas mergulhar no oceano que ele carrega em si — “como são bons os ventos, eles trazem, mas nunca levam o Amor embora”.
Clarice e Ulisses esperavam ali, naquele mesmo lugar — “todos os dias ele olha para você com tanto carinho! Essas patas cruzadas na frente… Como é mesmo? Você disse que precisava ‘amar novamente uma criatura viva’? Eu amo, Clarice. Um dia, quem sabe, ele vem aqui pessoalmente te conhecer.”
Sentou-se ao lado da estátua da escritora, e com os olhos percorreu os quatro quilômetros de praia. Os pés dançavam na areia; eles riam e se deixavam tocar pela água. Em verdade, eram um: encontro de almas. Distraída, colocou a mão no peito e suspirou — “hoje o mar está azul e… Menos um pôr do sol longe de você”.
Os olhos se encheram de palavras que vieram do coração e se derramaram em um canto suave e íntimo, celebração da beleza da vida.
“Você está aqui, nunca nos deixamos, mas ainda espero aquele beijo.”
Este texto faz parte de uma sequência de histórias de Amor. Porque é sempre bom a gente se lembrar de que o Amor é nossa maior potência, escrevo para retratar suas formas em crônicas, contos e ensaios diversos.
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Abrir a mente é também abrir o coração para acolher todos os seres.
Com Amor,
Bhuvi